Nas primeiras vezes que ela foi lá, não foi muito educada. Depois de um tempo, passou a ser. Acho que ela agiu assim porque não está acostumada a ser tratada com educação, as pessoas passam por ela e fingem que ela nem existe. Não sei porque ela mudou de atitude.
Pois bem, como essa moça não consegue fazer seu prato e segurar as muletas ao mesmo tempo, a nossa funcionária estava fazendo para ela. Estava cheio e não tinha mesas sozinhas, então ela sentou em uma mesa que já tinha uma senhora. Imediatamente, essa senhora levantou, jogou sua comida fora, pagou e foi embora. No outro dia, essa senhora voltou e pediu para falar com a gerente, minha mãe saiu da cozinha e foi atendê-la. Ela disse para a minha mãe que ela deveria ter um lugar específico para esse "tipo de gente". Minha mãe não entendeu e perguntou qual seria o tipo de gente que ela falava. A senhora disse que era esse tipo de gente de rua. Para completar, ela ainda disse que a moça estava fedendo, que ao sentir o cheiro dela teve ânsia de vômito e, pior, perguntou para a minha mãe como aquela moça não tinha R$ 1,00 para comprar um sabonete. Em que mundo estamos que pessoas sentem ânsia de vômito de outras pessoas? Será que se aquela moça tivesse todo dia um real, ela iria comprar um sabonete ou algo para comer?
As pessoas falam como se fosse muito fácil, mas não se colocam no lugar das outras. Eu sei que aquela moça que pede dinheiro não gosta de cheirar mal, que moradores de rua não gostam de comer a comida do lixo, que ninguém queria estar catando lixo no lixão. Infelizmente, eles fazem o que podem para sobreviver, pois, ao contrário do que o governo passa, não está fácil arranjar emprego. Se formados em direito fazem prova para gari, como uma pessoa que mal terminou a 4ª série vai arranjar um emprego? Muitos dizem: "Ahhh, faz uma faxina!", mas será que quem diz isso gostaria de ter que fazer uma faxina, ganhar mais ou menos R$ 20,00 por faxina? Ou preferiria ficar pedindo dinheiro nas ruas e ganhar mais do que isso? Como disse antes talvez seja comodismo, mas não são apenas eles no mundo todo que gostam de comodismo. Se as pessoas tivessem seu sustento sem trabalhar, ela iria trabalhar para que?
Além disso, o governos nada ajuda, pois quando resolvem ser camelôs, tem suas mercadorias roubadas porque não são legalizadas. Em compensação quando procuram se legalizar, como é o caso dos meus pais, é uma burocracia gigantesca.
As pessoas não sabem o que é passar necessidade. Passar necessidade não é não tem aquela bolsa ou sandália da moda, não é abrir a geladeira e ver que não tem refrigerante. Necessidade é ter que andar descalço; é nem ter uma geladeira para abrir; é morar em um lugar que, quando chove, desaba; ou tem tiroteio todos os dias; ou não tem coleta de lixo, nem tratamento de esgoto com ratos, baratas, moscas... É difícil imaginar? É nojento? Mas esses lugares existem e não são longe daqui não.
Tem coisa pior ainda: morar na rua. Ninguém pensa como é, mas como seria ter que deitar em papelão e se cobrir com jornal? E como seria não ter nem isso? Ninguém pensa, eu também não pensava. Agora será que aquela senhora, se estivesse no lugar da moça da perna amputada e tivesse apenas um real na mão, ela iria comer ou compraria um sabonete?